quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O medo é quem mais ordena!






Vivemos numa sociedade de medrosos, agora mais do que nunca, desde que o medo passou a ser uma arma no combate politico. O terreno social já estava lavrado por causas sociológicas, já há muito dissecadas pelos pensadores contemporâneos, mas agora tomou proporções nunca imaginadas. Estranho fenómeno este quando os avanços da ciência erradicaram há muito as pestes que devastaram continentes e se sabe agora como nunca debelar toda a espécie de doenças e contrariar muitos dos flagelos sociais de outrora, particularmente no seio dos países do primeiro mundo! Até parece que quanto mais a sociedade cresce economicamente e se torna aparentemente mais rica, mais o medo se espalha entre os seus membros que se sentem ameaçados pelas mais comezinhas fantasmagorias. Falta uma espécie de pilar nesta sociedade da "abundância", uma base sólida que seja a referência e o abrigo para tantos Homens desiludidos e indefesos.A comunicação social com a sua febre de tudo noticiar em primeira mão, para que não se percam as audiência, prefere adiar a pesquisa da verdade dos factos para momentos posteriores e deixar os leitores ou telespectadores, permanentemente, em "suspense" perante o que vêem ou o que lêem. A noticia aparece assim em primeira linha com toda a nudez e crueldade, desinserida muitas vezes dos contextos e sem o amortecimento da opinião dos técnicos entendidos na matéria ou mesmo das vozes do bom senso. A insegurança e a perplexidade crescem assim na proporção directa da falta de rigor informativo. Os políticos mais astutos e menos escrupulosos ( mas haverá ainda algum que o não seja?! ) aproveitam a ocasião e dilatam as noticias dando-lhes logo foros de escândalo nacional prometendo tudo resolver se um dia chegarem ao poder ou se o confirmarem mais uma vez nas urnas. E a máquina do medo segue o seu caminho sem fim à vista, lavrando o pequeno pânico no quotidiano dos cidadãos... Quem tem assistido ultimamente às noticias de abertura dos telejornais, quer sobre os assaltos a bancos e automóveis quer sobre os vários folhetins dos pequenos e grandes dramas da vida de todos nós, sabe bem do que estou a falar. Se a tudo isto juntarmos a crise económica profunda que se sente no dia-a-dia, resta-nos um povo confuso, descrente em tudo e em todos e incapaz de tomar o destino nas suas mãos. Numa sociedade sem valores espirituais, em que ninguém acredita verdadeiramente em alguma coisa, é difícil perder o medo tão somente porque cada um de nós tem receio da sua própria sombra. A pedagogia da nossa auto-estima como povo só dará frutos com novos políticos, com outras formas de informar, com a elevação do nosso nível cultural e sobretudo com a vivência de valores que nos transcendam como humanos e que possam, só por si, fazer de nós cidadãos intervenientes e sem medo. Uma sociedade com valores será uma sociedade motivada. A previsível abstenção eleitoral no próximo ano poderá ser mais um indicio do que acabo de dizer e mais uma acha para a fogueira fria do medo que nos abrasa como povo.

sábado, 19 de julho de 2008

O país no psiquiatra,já!





Não há ninguém que não sinta em si mesmo e não note nos seus concidadãos que estamos todos a precisar de uma consulta urgente de psiquiatria. Bastou alguém dizer que atravessávamos uma profunda crise e que estávamos de tanga para passarmos a ver tudo negro à nossa volta e a perder a fé nas nossas qualidades. Até aqueles projectos que ainda há bem poucos meses nos levantaram a moral e que foram por nós festejados com júbilo merecido - a Expo 98, a Porto 2001, o apuramento para o Mundial de Futebol, as auto-estradas sem portagens, a reabilitação urbana das cidades do projecto Polis, o Euro 2004 - são agora encarados como autênticos pesadelos ou pesadas heranças que a contra-gosto temos que concretizar ou recordar.Bons tempos aqueles, afinal, em que, sem querermos saber do estado das finanças, nos deleitávamos com os progressos apregoados da nação! Ele eram festas por tudo e por nada com muito fogo de artificio; ele eram as casas, os carros, as roupas de marca que todos comprávamos a crédito sem receio de não os podermos pagar; ele eram os telemóveis que dávamos aos nossos filhos adolescentes, mais as férias nas Caraíbas de prémio por terem passado; ele era a geração de ouro da selecção nacional de futebol que vencia e nos fazia vibrar de patriotismo; ele eram, por fim, as lágrimas e os berros de indignação e os abraços de regozijo que trocávamos nas ruas pela libertação de Timor envoltos nos panos brancos das nossas almas lavadas pelo sentimento do dever cumprido por um povo irmão; eles eram tantos, enfim, os motivos que pensávamos que tínhamos para sermos felizes!...Agora dizem-nos que tudo foram quimeras que nos venderam, que o dinheiro não pode chegar para a casa, o carro, os telemóveis, as férias; que a selecção nacional é uma geração de malandros, que o Euro 2004 vai ser um cabo de trabalhos e de despesas e que temos que viver com mais impostos, com menos empregos, com a gasolina mais alta, com ministros vestidos de cinzento, com Presidentes de Câmara que falam "economês", com menos passeios e almoços ao Domingo, com a selecção nacional, afinal, a dar murros, como nós, nos ventos da desdita e da vergonha...Um povo não pode viver no desespero e na descrença. Se vivíamos acima das nossas possibilidades, se precisamos agora de fazer sacrifícios que eles venham envoltos de esperança. Não se pode caminhar em frente sem auto-estima e com projectos fechados no presente. Ou recuperamos a alegria e a esperança de podermos de novo rir ( e consumir...) ou vamos todos, governantes e governados, parar ao divã do psiquiatra mais próximo. Mas atenção : a terapia, às vezes, tem que ser de choque!...

sexta-feira, 4 de julho de 2008

A Família hoje

Aumento da violência nas escolas reflecte crise de autoridade familiar Especialistas em educação reunidos na cidade espanhola de Valência defenderam hoje que o aumento da violência escolar deve-se, em parte, a uma crise de autoridade familiar, pelo facto de os pais renunciarem a impor disciplina aos filhos, remetendo essa responsabilidade para os professores.Os participantes no encontro "Família e Escola: um espaço de convivência", dedicado a analisar a importância da família como agente educativo, consideram que é necessário evitar que todo o peso da autoridade sobre os menores recaia nas escolas."As crianças não encontram em casa a figura de autoridade", que é um elemento fundamental para o seu crescimento, disse o filósofo Fernando Savater."As famílias não são o que eram antes e hoje o único meio com que muitas crianças contactam é a televisão, que está sempre em casa", sublinhou. Para Savater, os pais continuam "a não querer assumir qualquer autoridade", preferindo que o pouco tempo que passam com os filhos "seja alegre" e sem conflitos e empurrando o papel de disciplinador quase exclusivamente para os professores.No entanto, e quando os professores tentam exercer esse papel disciplinador, "são os próprios pais e mães que não exerceram essa autoridade sobre os filhos que tentam exercê-la sobre os professores, confrontando-os", acusa."O abandono da sua responsabilidade retira aos pais a possibilidade de protestar e exigir depois. Quem não começa por tentar defender a harmonia no seu ambiente, não tem razão para depois se ir queixar", sublinha.Há professores que são "vítimas nas mãos dos alunos".Savater acusa igualmente as famílias de pensarem que "ao pagar uma escola" deixa de ser necessário impor responsabilidade, alertando para a situação de muitos professores que estão "psicologicamente esgotados" e que se transformam "em autênticas vítimas nas mãos dos alunos".A liberdade, afirma, "exige uma componente de disciplina" que obriga a que os docentes não estejam desamparados e sem apoio, nomeadamente das famílias e da sociedade."A boa educação é cara, mas a má educação é muito mais cara", afirma,recomendando aos pais que transmitam aos seus filhos a importância da escola e a importância que é receber uma educação, "uma oportunidade e um privilégio"."Em algum momento das suas vidas, as crianças vão confrontar-se com a disciplina", frisa Fernando Savater. Em conversa com jornalistas, o filósofo explicou que é essencial perceber que as crianças não são hoje mais violentas ou mais indisciplinadas do que antes; o problema é que "têm menos respeito pela autoridade dos mais velhos". "Deixaram de ver os adultos como fontes de experiência e de ensinamento para os passarem a ver como uma fonte de incómodo. Isso leva-os à rebeldia", afirmou.Daí que, mais do que reformas dos códigos legislativos ou das normas em vigor, é essencial envolver toda a sociedade, admitindo Savater que "mais vale dar uma palmada, no momento certo" do que permitir as situações que depois se criam.Como alternativa à palmada, o filósofo recomenda a supressão de privilégios e o alargamento dos deveres.--

sábado, 28 de junho de 2008

A Bomba ou a Vida

Em pleno século vinte e um, homens e mulheres palestinianos, na flor da idade, carregam, camufladas na cintura, bombas que fazem deflagrar nos sítios mais movimentados de Israel imolando-se assim pelo fogo e levando consigo dezenas de inocentes. São o rosto de um novo terrorismo à escala mundial que em desespero de causa promete continuar, apesar de todos os meios militares e policiais empregues para o combater. Nós, neste canto adormecido da Europa, não conseguimos perceber como é possível chegar a estes extremos e nem sequer conseguimos chegar a uma posição coerente sobre este conflito no Médio Oriente. Vem-nos à ideia outras causas mais próximas de nós - Timor por exemplo - e a forma tão diferente que usou, aquela comunidade também oprimida, para levar de vencida os seus objectivos nacionais. Os Timorenses são na sua maioria cristãos e rezavam sob o fogo da metralha Indonésia vendo os seus irmãos morrerem a seu lado. Bem sei que havia grupos de guerrilha organizados nas montanhas que faziam os estragos que podiam no poderoso exercito Indonésio. O desespero era idêntico e a solução que perseguiam também se esfumava em cada dia que passava. Porque não enveredaram então por esta espécie de terror ? Será apenas a cultura e a religião dos povos árabes que promove este género de atitudes? Será que assim chegarão mais depressa que os Timorenses à resolução do seu problema territorial? Será que o povo judeu, organizado numa democracia de tipo ocidental, cujo exercito ocupa indevidamente a palestina, não se pode comparar ao Indonésio, que se regia, na altura, por uma ditadura feroz? Muitas perguntas que nos inquietam a mente e que nos fazem pensar um pouco mais além das noticias constantes e arrepiantes que nos chegam dia-a-dia.A nossa matriz cristã dificilmente toleraria a pratica do terrorismo através de homens-bomba e a comprová-lo está a História que nos fala do fenómeno dos "kamikases" apenas no âmbito de outras religiões e culturas. Por outro lado a nossa sociedade está cada vez mais dessacralizada e ninguém seria capaz de se sacrificar por um ideal nacional servindo-se da sua (nossa) fé religiosa. O "sacrifício heróico" já foi enaltecido noutros tempos pelo Cristianismo em muitas circunstancias de guerra mas mesmo assim sempre remetido a atitudes individuais que não comprometiam directamente terceiros inocentes. Muitos destes homens e mulheres são hoje venerados como santos e são exemplos da fé levada às últimas consequências. Na Irlanda do Norte, por exemplo, onde cristãos se degladiam mutuamente, apesar de toda a crueldade cometida, não passa pela cabeça de ninguém que em nome de Deus alguém se torne ou tornasse homem-bomba para defesa dos seus pontos de vista políticos ou religiosos. O fanatismo religioso só pode germinar em sociedades fechadas em que o poder temporal e religioso se confundem de forma absoluta. Não podemos concebe-lo em sociedades laicais como a nossa embora, há que lembrá-lo, as sementes da violência medrem, actualmente, no Ocidente, noutros terrenos de forma crescente e inquietante. Na própria democracia israelita há fanáticos capazes de matar por motivos religiosos como ficou bem patente no assassinato do moderado chefe de governo Isak Rabin.É assim no meio de tanta perplexidade que vamos vivendo acreditando que estamos imunes a toda esta espiral de ódio extremista e, pior do que isto, tornando-nos de certa forma imunes à barbárie alheia. Esquecemo-nos que os sentimentos mais negativos têm uma força incalculável e que sem o querermos verdadeiramente os vamos assimilando para as nossas comunidades. O mal ou o bem dos outros também nos afectam profundamente e é nosso dever de Europeus o dar ajuda e testemunho de paz e de tolerância. Entre a vida e as bombas, venham elas de onde vierem, não pode haver hesitação!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Alma Portuguesa - procura-se!


Fui passar parte da Semana Santa a Sevilha. Regressei no Domingo de Páscoa a Portugal. Mais uma vez aquela cidade me encantou!...Muitas reflexões fiz, em conjunto com amigos, sobre o que via e pude constatar com alguma mágoa que o nosso Portugal está bem longe daquela realidade. Não falo do progresso económico que esse é evidente em todo o lado, falo da identidade cultural de um povo. Numa época de globalização total, a resistência cultural da Andaluzia ( e do resto da Espanha ) é notável. Vive-se a Semana Santa como há 20 ou 40 anos! Li artigos de jornais, das mais variadas tendências politicas, que referiam que apesar dos hábitos da juventude serem completamente diferentes as tradições continuam a atravessar transversalmente a sociedade. Pode-se não ser católico praticante, pode-se ter padrões de vida modernos, mas o sentimento de pertença a uma cultura e às suas expressões artísticas e religiosas mantêm-se com orgulho. O Andaluz não tem vergonha de ser jovem, eventualmente heterodoxo em termos sexuais, e "Costalero" ( homens que levam às costas os andores ) ou Nazareno ( membro de uma das 59 confrarias que existem na cidade e que desfilam nas procissões da Semana Santa ). Ao passar a procissão da sua confraria o Sevilhano canta, do meio da rua ou de uma varanda, uma "saeta" em homenagem à virgem, ao mesmo tempo que o entusiasmo se expressa nas palmas dos presentes e nas flores que se atiram para os andores. Todos procuram vestir-se de preto na rua, os mais velhos com trajes tradicionais, os mais novos com a roupa mais habitual da idade. Os jovens "costaleros" usam lenços, tipo árabe, à cabeça e, durante as paragens da procissão, enchem os bares bebendo e cantando enquanto outros que já lá estiveram voltam para carregar as toneladas do peso dos andores. Vive-se um ambiente de festa permanente que se prolonga por toda a madrugada até ao amanhecer. Como exemplo posso dar o da procissão da Virgem da Macarena que sai à meia-noite da igreja e só volta às 2 horas da tarde do dia seguinte! Ninguém dorme em Sevilha de 5ª para 6ª feira Santa! As praças e as ruas estão cheias durante toda a madrugada parecendo um S. João do Porto permanente. E fuma-se em todo o lado que se quiser ( são raríssimos os locais proibidos ) e come-se os doces tradicionais em qualquer parte e "pica-se" de tudo sem preocupações com a ASAE ou coisa parecida. Há um sentimento de catarse colectiva que começa a ser "ensinado" de muito novo. Crianças de 1 e 2 anos passeiam com os pais pela mão ou nos carrinhos de bebé vestidos a rigor para a festa. Tudo se leva a sério e ao mesmo tempo nada se leva a sério porque a festa é espontânea e os mitos imortais. Os povos da Espanha não têm cinzentos nas suas manifestações publicas!Pois é, à chegada à minha terra deparei com as nossas cidades vazias, as casas cheias de gente pregada nas televisões a ver futebol ou novelas; quis fumar uma cigarrilha e tive que ir para a rua; quis comprar um folar autêntico e veio-me embrulhado num papel com marca de fábrica; quis ver o compasso, os foguetes, as bandas de música - a festa de Jesus Ressuscitado - e só vi as aldeias e as igrejas vazias; quis dar um berro, de desalento ou de exaltação, e não tive ninguém a meu lado...Perdemos aos poucos a nossa identidade cultural! Temos um governo que se entretêm a legislar sobre todo e qualquer aspecto da nossa intimidade e dos nossos hábitos ancestrais ( das alheiras aos "piercings" vai tudo a eito...) e temos vergonha de nós mesmos! Dizem-nos que é ridículo festejar a Páscoa, que já passou de moda vestir roupa tradicional, que não devemos expressar alegria em público, que devemos ser recatados com as convicções religiosas ou culturais...Ficamos anestesiados e temos medo de nos ver ao espelho da história! Bem lá no fundo não queremos ser nada só para podermos passar despercebidos e parecermos "civilizados". De quem temos medo? Não sei! Como sobreviveremos sem alma? Também não!...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

2008 Odisseia fora do Espaço



Passou-se finalmente a tal marca imaginaria e simbólica do século e do milénio. Deixamos já o tão ficcionado ano de 2001 que Kubrick imaginou cheio de viagens espaciais e de altíssima tecnologia. Afinal desta vez a ficção ficou bem aquém da realidade… Sim, porque era suposto que neste ano tudo já fosse programável informaticamente e automático; que as casas inteligentes teriam a servir-nos criados robots ; que o trabalho seria feito essencialmente pelos computadores e que por isso o lazer se estendesse a todos que usufruindo de tempo se entregassem aquilo que verdadeiramente gostariam de ser e de fazer. O sonho do Professor Agostinho da Silva de sermos todos finalmente reformados!
Hoje sorrimos ao pensar em todas estas ficções e lamentamos profundamente que seja este o ano dois mil e oito que construímos. Muito se avançou no campo das novas tecnologias em geral mas o mais importante ficou de facto por fazer !
A riqueza distribuída por todos onde está? Os avanços da ciência ao serviço do bem estar integral do Homem que é feito deles? A alegria de viver; a paz universal; o Homem novo, onde estão todas estas conquistas?
Acaba-se assim um século com a sensação de que nem os avanços sociais ( que os houve indubitavelmente…) servem para justificar tanto foguete e tanta euforia…Porque se neste campo podemos dizer, sem grande erro, que este século findo foi o das grandes utopias sociais também reconheceremos o desastre da sua tentativa de realização; se foi o século da emancipação da mulher ocidental também podemos dizer que foi o do grande sacrifício emocional das crianças e bem feitas as contas a tudo, o saldo não é de todo satisfatório. Porque para os mais despertos as semelhanças com o final do século passado, em termos da consciência humana, são bem gritantes…Com uma única diferença – há cem anos suicidavam-se os intelectuais e os poetas ; hoje os jovens adultos e os adolescentes…
Que civilização iremos construir sobre estas realidades se verá, mas que este não pode ser o único caminho tenho a certeza que não. A própria natureza, como criação divina nega-o em cada dia que passa, basta simplesmente querer ouvir-lhe o seu lamento…
Mas basta também, numa visão optimista, querer avançar para uma sólida e tangível harmonia no futuro feita na base da espiritualidade que devemos partilhar como valor fundamental ao crescimento evolutivo do Ser Humano. Caso contrário passaremos outros 2001 não dentro mas for do “nosso” espaço !

quarta-feira, 12 de março de 2008

Mas as crianças, Senhor!...


É impressionante o aumento nos últimos anos das crianças da minha consulta vítimas de problemas familiares. Na maioria dos casos os pais estão separados e elas vivem com a mãe; noutros são os avós que "aguentam" a situação. Chego a ter tardes de consulta de uma total monotonia pois as queixas são sobreponíveis e o pano de fundo também. As mães numa ansiedade crescente sem quererem perceber as razões das queixas dos filhos pedem desesperadamente análises, radiografias e - pasme-se - tomografias às crianças na esperança de encontrarem uma causa para a doença do filho ou filha. É tal a insegurança destes pais que me chegam a dizer que aquele filho ou filha não pode estar doente ou morrer porque vai ser a sua única companhia pela vida fora; por isso é nele ou nela que investem tudo em exclusividade, em termos afectivos! As crianças afogadas neste proteccionismo "selvagem", sofrem também a ausência do pai como figura de referência imprescindível e então, neste beco sem saída, somatizam toda a ansiedade em apelos constantes para que lhes dêem atenção... quando o que realmente lhes falta é simplesmente uma família!... Às vezes quando as mães me perguntam se não seria melhor pedir uma tomografia ao filho ou filha eu, sinceramente, o que me apetecia responder-lhes, por ironia, era se elas não quereriam antes fazer um exame profundo, uma tomografia quiçá, à sua própria família...
Ah! Que grande radiografia ou tomografia social não são estas minhas consultas diárias !...
Mas que remédios, meu Deus, posso eu ter para, ao menos, minimizar as dores desta terrível doença social?... Ainda hoje uma mulher me foi trazida pela Assistente Social com um bebé de cinco meses que nunca tinha sido observado desde o nascimento. Não tinha ainda vacinas, não tomava vitaminas, bebia leite de vaca inteiro, estava sujo e andrajoso...A mãe, pelo seu lado, não tinha mãe, nem pai, nem família, vivia sozinha e foi "descoberta" assim pelos vizinhos. Perguntei-lhe, a medo, quem era o pai da criança, respondeu-me que isso não interessava para nada. Perguntei-lhe, ainda com menos convicção, como tinha contraído em plena gravidez a hepatite B, respondeu-me que toda a gente sabe que a hepatite B se pode apanhar com toda a facilidade quando se está grávida. Não lhe perguntei mais nada... Calado observei a criança. No meu pensamento milhares de imagens passaram em turbilhão - discursos em praças e em púlpitos, comícios revolucionários e outros menos, guerras reais e das estrelas, festas de pouca e muita caridade, sei lá eu... Qual destes eventos pôde tocar, alguma vez, esta mulher? Quem lhe pode devolver a dignidade ?...Neste final de século ter pena das crianças e temer pelo seu futuro é muito pouco...Porque há várias misérias misturadas. Já nada é linear como outrora... Porque hoje é preciso ter sorte para ser criança a vários níveis, não só o da miséria material!...Talvez a miséria moral, a falta de valores na sociedade seja, para a formação das crianças, o mais importante. Porque hoje em dia é preciso ter sorte, acima de tudo, para viver em amor!...