sábado, 28 de junho de 2008

A Bomba ou a Vida

Em pleno século vinte e um, homens e mulheres palestinianos, na flor da idade, carregam, camufladas na cintura, bombas que fazem deflagrar nos sítios mais movimentados de Israel imolando-se assim pelo fogo e levando consigo dezenas de inocentes. São o rosto de um novo terrorismo à escala mundial que em desespero de causa promete continuar, apesar de todos os meios militares e policiais empregues para o combater. Nós, neste canto adormecido da Europa, não conseguimos perceber como é possível chegar a estes extremos e nem sequer conseguimos chegar a uma posição coerente sobre este conflito no Médio Oriente. Vem-nos à ideia outras causas mais próximas de nós - Timor por exemplo - e a forma tão diferente que usou, aquela comunidade também oprimida, para levar de vencida os seus objectivos nacionais. Os Timorenses são na sua maioria cristãos e rezavam sob o fogo da metralha Indonésia vendo os seus irmãos morrerem a seu lado. Bem sei que havia grupos de guerrilha organizados nas montanhas que faziam os estragos que podiam no poderoso exercito Indonésio. O desespero era idêntico e a solução que perseguiam também se esfumava em cada dia que passava. Porque não enveredaram então por esta espécie de terror ? Será apenas a cultura e a religião dos povos árabes que promove este género de atitudes? Será que assim chegarão mais depressa que os Timorenses à resolução do seu problema territorial? Será que o povo judeu, organizado numa democracia de tipo ocidental, cujo exercito ocupa indevidamente a palestina, não se pode comparar ao Indonésio, que se regia, na altura, por uma ditadura feroz? Muitas perguntas que nos inquietam a mente e que nos fazem pensar um pouco mais além das noticias constantes e arrepiantes que nos chegam dia-a-dia.A nossa matriz cristã dificilmente toleraria a pratica do terrorismo através de homens-bomba e a comprová-lo está a História que nos fala do fenómeno dos "kamikases" apenas no âmbito de outras religiões e culturas. Por outro lado a nossa sociedade está cada vez mais dessacralizada e ninguém seria capaz de se sacrificar por um ideal nacional servindo-se da sua (nossa) fé religiosa. O "sacrifício heróico" já foi enaltecido noutros tempos pelo Cristianismo em muitas circunstancias de guerra mas mesmo assim sempre remetido a atitudes individuais que não comprometiam directamente terceiros inocentes. Muitos destes homens e mulheres são hoje venerados como santos e são exemplos da fé levada às últimas consequências. Na Irlanda do Norte, por exemplo, onde cristãos se degladiam mutuamente, apesar de toda a crueldade cometida, não passa pela cabeça de ninguém que em nome de Deus alguém se torne ou tornasse homem-bomba para defesa dos seus pontos de vista políticos ou religiosos. O fanatismo religioso só pode germinar em sociedades fechadas em que o poder temporal e religioso se confundem de forma absoluta. Não podemos concebe-lo em sociedades laicais como a nossa embora, há que lembrá-lo, as sementes da violência medrem, actualmente, no Ocidente, noutros terrenos de forma crescente e inquietante. Na própria democracia israelita há fanáticos capazes de matar por motivos religiosos como ficou bem patente no assassinato do moderado chefe de governo Isak Rabin.É assim no meio de tanta perplexidade que vamos vivendo acreditando que estamos imunes a toda esta espiral de ódio extremista e, pior do que isto, tornando-nos de certa forma imunes à barbárie alheia. Esquecemo-nos que os sentimentos mais negativos têm uma força incalculável e que sem o querermos verdadeiramente os vamos assimilando para as nossas comunidades. O mal ou o bem dos outros também nos afectam profundamente e é nosso dever de Europeus o dar ajuda e testemunho de paz e de tolerância. Entre a vida e as bombas, venham elas de onde vierem, não pode haver hesitação!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Alma Portuguesa - procura-se!


Fui passar parte da Semana Santa a Sevilha. Regressei no Domingo de Páscoa a Portugal. Mais uma vez aquela cidade me encantou!...Muitas reflexões fiz, em conjunto com amigos, sobre o que via e pude constatar com alguma mágoa que o nosso Portugal está bem longe daquela realidade. Não falo do progresso económico que esse é evidente em todo o lado, falo da identidade cultural de um povo. Numa época de globalização total, a resistência cultural da Andaluzia ( e do resto da Espanha ) é notável. Vive-se a Semana Santa como há 20 ou 40 anos! Li artigos de jornais, das mais variadas tendências politicas, que referiam que apesar dos hábitos da juventude serem completamente diferentes as tradições continuam a atravessar transversalmente a sociedade. Pode-se não ser católico praticante, pode-se ter padrões de vida modernos, mas o sentimento de pertença a uma cultura e às suas expressões artísticas e religiosas mantêm-se com orgulho. O Andaluz não tem vergonha de ser jovem, eventualmente heterodoxo em termos sexuais, e "Costalero" ( homens que levam às costas os andores ) ou Nazareno ( membro de uma das 59 confrarias que existem na cidade e que desfilam nas procissões da Semana Santa ). Ao passar a procissão da sua confraria o Sevilhano canta, do meio da rua ou de uma varanda, uma "saeta" em homenagem à virgem, ao mesmo tempo que o entusiasmo se expressa nas palmas dos presentes e nas flores que se atiram para os andores. Todos procuram vestir-se de preto na rua, os mais velhos com trajes tradicionais, os mais novos com a roupa mais habitual da idade. Os jovens "costaleros" usam lenços, tipo árabe, à cabeça e, durante as paragens da procissão, enchem os bares bebendo e cantando enquanto outros que já lá estiveram voltam para carregar as toneladas do peso dos andores. Vive-se um ambiente de festa permanente que se prolonga por toda a madrugada até ao amanhecer. Como exemplo posso dar o da procissão da Virgem da Macarena que sai à meia-noite da igreja e só volta às 2 horas da tarde do dia seguinte! Ninguém dorme em Sevilha de 5ª para 6ª feira Santa! As praças e as ruas estão cheias durante toda a madrugada parecendo um S. João do Porto permanente. E fuma-se em todo o lado que se quiser ( são raríssimos os locais proibidos ) e come-se os doces tradicionais em qualquer parte e "pica-se" de tudo sem preocupações com a ASAE ou coisa parecida. Há um sentimento de catarse colectiva que começa a ser "ensinado" de muito novo. Crianças de 1 e 2 anos passeiam com os pais pela mão ou nos carrinhos de bebé vestidos a rigor para a festa. Tudo se leva a sério e ao mesmo tempo nada se leva a sério porque a festa é espontânea e os mitos imortais. Os povos da Espanha não têm cinzentos nas suas manifestações publicas!Pois é, à chegada à minha terra deparei com as nossas cidades vazias, as casas cheias de gente pregada nas televisões a ver futebol ou novelas; quis fumar uma cigarrilha e tive que ir para a rua; quis comprar um folar autêntico e veio-me embrulhado num papel com marca de fábrica; quis ver o compasso, os foguetes, as bandas de música - a festa de Jesus Ressuscitado - e só vi as aldeias e as igrejas vazias; quis dar um berro, de desalento ou de exaltação, e não tive ninguém a meu lado...Perdemos aos poucos a nossa identidade cultural! Temos um governo que se entretêm a legislar sobre todo e qualquer aspecto da nossa intimidade e dos nossos hábitos ancestrais ( das alheiras aos "piercings" vai tudo a eito...) e temos vergonha de nós mesmos! Dizem-nos que é ridículo festejar a Páscoa, que já passou de moda vestir roupa tradicional, que não devemos expressar alegria em público, que devemos ser recatados com as convicções religiosas ou culturais...Ficamos anestesiados e temos medo de nos ver ao espelho da história! Bem lá no fundo não queremos ser nada só para podermos passar despercebidos e parecermos "civilizados". De quem temos medo? Não sei! Como sobreviveremos sem alma? Também não!...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

2008 Odisseia fora do Espaço



Passou-se finalmente a tal marca imaginaria e simbólica do século e do milénio. Deixamos já o tão ficcionado ano de 2001 que Kubrick imaginou cheio de viagens espaciais e de altíssima tecnologia. Afinal desta vez a ficção ficou bem aquém da realidade… Sim, porque era suposto que neste ano tudo já fosse programável informaticamente e automático; que as casas inteligentes teriam a servir-nos criados robots ; que o trabalho seria feito essencialmente pelos computadores e que por isso o lazer se estendesse a todos que usufruindo de tempo se entregassem aquilo que verdadeiramente gostariam de ser e de fazer. O sonho do Professor Agostinho da Silva de sermos todos finalmente reformados!
Hoje sorrimos ao pensar em todas estas ficções e lamentamos profundamente que seja este o ano dois mil e oito que construímos. Muito se avançou no campo das novas tecnologias em geral mas o mais importante ficou de facto por fazer !
A riqueza distribuída por todos onde está? Os avanços da ciência ao serviço do bem estar integral do Homem que é feito deles? A alegria de viver; a paz universal; o Homem novo, onde estão todas estas conquistas?
Acaba-se assim um século com a sensação de que nem os avanços sociais ( que os houve indubitavelmente…) servem para justificar tanto foguete e tanta euforia…Porque se neste campo podemos dizer, sem grande erro, que este século findo foi o das grandes utopias sociais também reconheceremos o desastre da sua tentativa de realização; se foi o século da emancipação da mulher ocidental também podemos dizer que foi o do grande sacrifício emocional das crianças e bem feitas as contas a tudo, o saldo não é de todo satisfatório. Porque para os mais despertos as semelhanças com o final do século passado, em termos da consciência humana, são bem gritantes…Com uma única diferença – há cem anos suicidavam-se os intelectuais e os poetas ; hoje os jovens adultos e os adolescentes…
Que civilização iremos construir sobre estas realidades se verá, mas que este não pode ser o único caminho tenho a certeza que não. A própria natureza, como criação divina nega-o em cada dia que passa, basta simplesmente querer ouvir-lhe o seu lamento…
Mas basta também, numa visão optimista, querer avançar para uma sólida e tangível harmonia no futuro feita na base da espiritualidade que devemos partilhar como valor fundamental ao crescimento evolutivo do Ser Humano. Caso contrário passaremos outros 2001 não dentro mas for do “nosso” espaço !